O começo do fim do mundo

Uma antiga lenda maia diz que o mundo se acabará no ano da graça de 2012. A julgar pelas tragédias sem fim neste início de ano – terremotos no Haiti, o mais que rigoroso inverno europeu e mais chuvas, inundações e deslizamentos de terra com nefastas consequências no Brasil –, o fim está mesmo próximo.
 .
Desde que o mundo é mundo fala-se no seu fim. E o fim do mundo sempre foi um assunto da jurisprudência divina. Em várias culturas o fim é uma prerrogativa de Deus. Mas Deus há tempos está de férias, e é o homem que tem na mão, agora e já, o destino do mundo. Destino que passa inexoravelmente pela relação entre ele, o homem e a Natureza. Teorias conspiratórias e discursos ecoxiitas à parte, o assunto é premente. E não se resume a atitudes como reciclagem, contenção de emissões e busca por modos alternativos de geração de energia – importantes sim, porém insuficientes. A questão ambiental deve ser agenda prioritária de governos e governantes, mas, a julgar pelo noticiado “fracasso” das negociações da Conferência do Clima de Copenhague, em dezembro do ano passado, não é. Prevalece o velho e tenebroso princípio de opor progresso à conservação ambiental.
.
Há muita gente que acredita que o aquecimento global é lorota, conversa de país rico pra boi de país pobre dormir. Mas as cada vez maiores alterações climáticas e suas trágicas intempéries não deixam dúvida de que algo de muito grave está acontecendo no mundo. E que a possível resolução desse problema, ou o seu agravamento, passa (assim como o tema do fim do mundo) pelas cercanias de um deus, mas aqui falo de um deus profano e contemporâneo: o deus Dinheiro.
.
O que se viu, nas propostas falaciosas dos chamados países ricos para redução de emissão de gases, foi uma disputa por poder e pela atenção da mídia mundial. Para levar a cabo tais propostas, seria preciso mais que vontade política. Uma dose de abnegação também seria bem-vinda. Mas seria ingênuo falar de abnegação quando há poder econômico em jogo (e nem Barack Obama em toda a sua glória tem carta branca para agir nessa seara arenosa).
.
No Brasil, muito ainda precisa ser feito. Aqui temos um sério agravante. Grande parte dos políticos brasileiros com poder de voto e de veto no   Congresso Nacional está à frente (às vezes atrás) de negócios com implicações desastrosas para o meio ambiente, tais como madeireiras, empreiteiras e fazendas com produção ou pastos inescrupulosos. Não há muito o que esperar dessa corja de boçais, e o episódio ocorrido no ano passado, do governador (na verdade, um ogro disfarçado de político) sul-mato-grossense que ameaçou “estuprar em praça pública” o ministro Carlos Minc, é uma folclórica e triste ilustração do fato.
.
Apocalipses e brutalidades à parte, lembro-me agora de um velho samba do bamba Assis Valente,
“E o Mundo Não se Acabou”, em que um sujeito desavisado narra seus desvarios diante da notícia de que o mundo iria se acabar: "Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar / por causa disso minha gente lá em casa começou a rezar / beijei na boca de quem não devia / peguei na mão de quem não conhecia / dancei um samba em traje de maiô / e o tal do mundo não se acabou." O mundo se acabou para Valente em 1958, quando ele pôs fim à sua vida ao ingerir formicida com guaraná, depois de outras duas frustradas tentativas de suicídio. Depois da tentativa frustrada de Copenhague, é possível que o mundo ainda tenha uma ou duas chances, não mais que isso. 
.
Zeca Baleiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário

quarta-feira, julho 21

O começo do fim do mundo

Uma antiga lenda maia diz que o mundo se acabará no ano da graça de 2012. A julgar pelas tragédias sem fim neste início de ano – terremotos no Haiti, o mais que rigoroso inverno europeu e mais chuvas, inundações e deslizamentos de terra com nefastas consequências no Brasil –, o fim está mesmo próximo.
 .
Desde que o mundo é mundo fala-se no seu fim. E o fim do mundo sempre foi um assunto da jurisprudência divina. Em várias culturas o fim é uma prerrogativa de Deus. Mas Deus há tempos está de férias, e é o homem que tem na mão, agora e já, o destino do mundo. Destino que passa inexoravelmente pela relação entre ele, o homem e a Natureza. Teorias conspiratórias e discursos ecoxiitas à parte, o assunto é premente. E não se resume a atitudes como reciclagem, contenção de emissões e busca por modos alternativos de geração de energia – importantes sim, porém insuficientes. A questão ambiental deve ser agenda prioritária de governos e governantes, mas, a julgar pelo noticiado “fracasso” das negociações da Conferência do Clima de Copenhague, em dezembro do ano passado, não é. Prevalece o velho e tenebroso princípio de opor progresso à conservação ambiental.
.
Há muita gente que acredita que o aquecimento global é lorota, conversa de país rico pra boi de país pobre dormir. Mas as cada vez maiores alterações climáticas e suas trágicas intempéries não deixam dúvida de que algo de muito grave está acontecendo no mundo. E que a possível resolução desse problema, ou o seu agravamento, passa (assim como o tema do fim do mundo) pelas cercanias de um deus, mas aqui falo de um deus profano e contemporâneo: o deus Dinheiro.
.
O que se viu, nas propostas falaciosas dos chamados países ricos para redução de emissão de gases, foi uma disputa por poder e pela atenção da mídia mundial. Para levar a cabo tais propostas, seria preciso mais que vontade política. Uma dose de abnegação também seria bem-vinda. Mas seria ingênuo falar de abnegação quando há poder econômico em jogo (e nem Barack Obama em toda a sua glória tem carta branca para agir nessa seara arenosa).
.
No Brasil, muito ainda precisa ser feito. Aqui temos um sério agravante. Grande parte dos políticos brasileiros com poder de voto e de veto no   Congresso Nacional está à frente (às vezes atrás) de negócios com implicações desastrosas para o meio ambiente, tais como madeireiras, empreiteiras e fazendas com produção ou pastos inescrupulosos. Não há muito o que esperar dessa corja de boçais, e o episódio ocorrido no ano passado, do governador (na verdade, um ogro disfarçado de político) sul-mato-grossense que ameaçou “estuprar em praça pública” o ministro Carlos Minc, é uma folclórica e triste ilustração do fato.
.
Apocalipses e brutalidades à parte, lembro-me agora de um velho samba do bamba Assis Valente,
“E o Mundo Não se Acabou”, em que um sujeito desavisado narra seus desvarios diante da notícia de que o mundo iria se acabar: "Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar / por causa disso minha gente lá em casa começou a rezar / beijei na boca de quem não devia / peguei na mão de quem não conhecia / dancei um samba em traje de maiô / e o tal do mundo não se acabou." O mundo se acabou para Valente em 1958, quando ele pôs fim à sua vida ao ingerir formicida com guaraná, depois de outras duas frustradas tentativas de suicídio. Depois da tentativa frustrada de Copenhague, é possível que o mundo ainda tenha uma ou duas chances, não mais que isso. 
.
Zeca Baleiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário